Não vou falar sobre o Coronavírus
Temos recebido informação demais sobre o vírus, então não é sobre isso que quero falar.
Esse texto é mais um desabafo, com ele me deságuo e organizo parte desse monte de coisas que tenho vivido e sentido.
É difícil viver esse isolamento. É duro ver as meninas presas, com saudades dos primos, da avó, das tias, das escolas...É duro ver meu quintal - que tem tradição em receber melhores amigas nas sextas-feiras, para um bate papo de horas, choros e risadas infinitas – vazio de companhias. É duro ver meu marido aguardando ansioso uma mensagem no WhatsApp chamando para mais algumas entregas que ele possa fazer nessa fase e garantir que pelo menos supermercado a gente dê conta de pagar a conta.
Eu trabalhei por quase um ano como produtora cultural autônoma para uma companhia de arte infantil pequena que – como tantas – está com dificuldades para se manter devido ao fechamento temporário (absolutamente necessário) de todos os possíveis locais contratantes. Não tem havido procura pelos meus serviços como doula e facilitadora do aleitamento; imagino que as mulheres mal estão conseguindo pensar sobre isso agora.
Tenho chorado algumas vezes, menos do que gostaria de conseguir chorar. De medo, de insegurança, de nem sei mais o que.
Mas penso que é hora de ver a beleza de estar viva. Tenho olhado para as minhas filhas cheia de gratidão. O cheiro delas está sendo cada vez mais um bálsamo poderoso. Eu não sou a diferentona, a rainha do amor à maternidade, a que não se importa de estar confinada com as crianças provendo 58 refeições diárias, dando banhos, recolhendo brinquedos imensos e minúsculos, amamentando e curando febres cheia de altruísmo. Mas, sem demagogia, tenho conseguido olhar para elas e ver o quanto é precioso ter duas crianças amadas, sonhadas, sorridentes e felizes. Nós temos uns aos outros aqui em casa e isso tem um valor inestimável. A consciência disso tem tornado meus dias mais leves. Um após o outro.
Dia desses, ouvindo o desabafo de uma amiga amada, mãe solo, no meio de uma depressão, meio adoentada, com uma rede de apoio muito restrita nesse momento eu disse para ela: “lute com suas próprias armas. Você é forte, você consegue”. Ela me disse que esse discurso é muito cruel e que eu não deveria reproduzí-lo. Não, amigas, não se trata de reproduzir discursos que reforçam que a mãe tem que ser forte, guerreira etc. etc. Eu não romantizo a maternidade. É só que acredito que nesse momento nós temos que aceitar que a ajuda não virá da maneira como deveria ser, como a gente necessita. Seja financeira, emocional, fisicamente ou tudo isso junto, o desafio é grande. Eu não o subestimo.
Porém é tempo de nos apegarmos ao que nos cabe no aqui e no agora, de peito aberto. Penso que mais do que nunca precisamos voltar a acreditar na nossa força, na nossa enorme capacidade de adaptação e superação. Se não for por essa fé em nós e nas nossas, pelo que será?
O que nos resta se não buscar nossa força interior e passar por essa, lembrando que os mais vulneráveis continuam sendo nossas filhas e filhos, e sustentá-los num nível que eles não estão prontos para fazer sozinhos? Tudo aquilo que a gente disse sobre não precisar dar conta de tudo continua sendo verdade, mas nesse cenário inédito, dar conta de muito (muito mesmo) é única saída para muitas de nós.
Sim, somos fortes. Sim, conseguimos. Temos que conseguir. O desafio agora é ser como a flor de lótus, capaz de brotar na lama. E a gente floresce.
Um abraço enorme, ainda que a distância, e se eu puder te acolher de alguma forma, estou aqui.
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