Dia 26/01/2022, com as fortes chuvas de São Paulo, a Casa de Bibi, meu espaço de criações e atendimento sofreu um alagamento. Não, a Casa não está numa zona com esse risco. Foi água que o ralo do quintal não deu conta de escoar e que invadiu tudo.
Fui para lá às pressas, cheguei em casa para mais de 23h.
A Casa de Bibi é uma edícula nos fundos do quintal onde minha mãe cresceu e é um grande pequeno monumento ao Sagrado Feminino.
Eu aproveito para dizer que está tudo bem, que não estamos precisando de ajuda, não perdemos nada e sobretudo não perdemos a fé. Uns pisos de madeira e partes do guarda-roupas estufados e nada mais. Mas nesse movimento de puxar a água, com pano, com rodo, com tudo, aproveito esse sentir para falar de um tema sobre o qual eu conversei muito com uma amiga nos últimos dias.
Essa amiga disse publicamente numa rede social, dentro da visão dela e do que é verdade para ela e que deve ser respeitado: "O Sagrado Feminino é elitista". Do lado de cá, entristecida com o que li e pautada no que faz sentido para mim coloquei: "Não. O Sagrado Feminino não é elitista". E aqui coloco algumas das muitas reflexões que fiz nessa conversa com essa amiga e sobre tudo no puxar da água que alagou minha casinha.
É claro que eu reconheço que acontece uma apropriação do termo Sagrado Feminino por grupos elitistas, que são a esmagadora maioria dos movimentos dentro dessa entidade maior que é O Sagrado Feminino em si.
No entanto, esse Sagrado Feminino se sustenta também ali na Casa de Bibi... nesse lugar na Zona Leste de São Paulo, passível de alagamento e sem prestador de serviço que o seque.
Aí nesse ponto seguramente alguém pode estar pensando algo como "aaah, mas não é acessível pagar R$ 600,00, R$ 700,00 reais numa jornada, ou uma centena e meia de reais numa leitura oracular" etc. E eu vou te dizer que se você pensou isso: calma, preciosa...Calma. Você provavelmente desconhece os muitos marcadores sociais que me atravessam (aproveitando aqui um tiquinho do muito que aprendi numa aula sobre interseccionalidade com a professora, doula e socióloga Camila Aguiar numa aula na pós-graduação que faço). Então - conto - são muitos os marcadores sociais que me atravessam e que fazem com que eu AINDA não esteja nesse lugar de fornecer um trabalho mais acessível, por N questões que permeiam a vulnerabilidade social.
Mas a gente ainda vai chegar lá, a gente ainda vai estar nesse lugar. Eu ainda vou estar nesse lugar, porque longe - muito longe - de comprar esse discurso da prosperidade que sempre permeia o Sagrado Feminino eu quero dizer que, sim, acredito, que nós mulheres temos potencial para ocupar outros lugares.
Só que quando a gente ocupar, queridas, a nossa postura será outra, porque nós sempre vamos saber de onde viemos.
Nisso tudo, você que compra um produto da Aline Paranhos, que faz uma vivência na Casa de Bibi, você está logicamente ajudando a fomentar o Sagrado Feminino dentro da Zona Leste de São Paulo, sim. Numa casa de fundo de quintal, sim! Porque isso é parte de um movimento maravilhoso e tão maior que os rótulos.
E aí, voltando a falar sobre Sagrado Feminino e elitismo, quero te convidar - especialmente se você tem 40 anos ou mais - a se lembrar das benzedeiras do seu bairro, se você foi levada à uma (eu, sim, fui). Puxa na sua memória se ela era rica. Eu tenho quase certeza de que você vai responder que não.
As duas mulheres que me benziam na minha infância, Dona Zulmira e Dona Zefinha, eram mulheres pobres; eram mulheres periféricas. E o que elas faziam ali era sagrado. E era feminino.
Deixo vocês com essa mensagem e com um abraço imenso, com a esperança de que a gente possa retomar a liberdade e a naturalidade de usar o nome Sagrado Feminino.
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